Terapia com Cães
Pesquisas mostram que cuidar de bichos ajuda no tratamento de doenças como câncer e depressão
Se você fosse um náufrago e só encontrasse uma ilha deserta para sobreviver, quem gostaria que fosse seu companheiro? Se pensou em seu cachorro ou gato, não imagine que é loucura. Um recente estudo realizado nos Estados Unidos mostrou que 57% dos donos de animais gostariam mais de ter seus bichos a seu lado do que um ser humano. Tamanha paixão tem resposta. Além de ótima companhia, os animais domésticos possuem um amor incondicional. Não importa o que se faça ou diga, ele venera seu dono como ninguém. Mas não é só afeto que ele oferece. Inúmeras pesquisas apontam que cães, gatos, passarinhos, peixes e outros animais trazem benefício à saúde.
Um desses estudos, publicado na revista especializada Aids Care, dos Estados Unidos, mostrou que pacientes com Aids que possuíam um animal de estimação tinham menos chance de sofrer depressão do que aqueles que não possuíam bicho algum. Mesmo quem não tem nenhuma outra doença, mas sofre de depressão, pode se beneficiar com a companhia de um bicho. “Cuidar de um cachorro é uma ocupação”, explica a psicóloga e veterinária Hannelori Fuchs, de São Paulo. “Tem que dar banho, comida e sair para passear, o que favorece um contato social. Isso tudo ajuda a sair da apatia”, completa.
Influência - Estudiosa do assunto nos seus 45 anos de profissão, Hannelori sempre observou a influência do animal dentro de uma família. Notava o quanto se guardava o luto quando o cão ou gato morria e as crianças que chegavam a adoecer sem seu bichinho de estimação. Por isso, há três anos resolveu fazer um trabalho voluntário que é uma verdadeira preciosidade. Leva animais para brincar com crianças deficientes do Lar Escola São Francisco, em São Paulo, e para fazer companhia aos doentes do Hospital da Criança, também na capital paulista. Nicolas Maciel da Silva, seis anos, internado no hospital às pressas por causa de uma intoxicação por remédio, adorou ser visitado pelos bichinhos. O garoto estava de cama, recebendo soro e bastante amuado com o susto. Assim que a psicóloga e a sua equipe apareceram no quarto ele mudou de ânimo e deixou transparecer um gostoso sorriso no rosto. “Adorei os coelhos”, disse. “Quando voltar para casa vou querer um para ver ele pular e poder correr atrás.” A especia-lista, por sua vez, explica: “Os pequenos se soltam e é possível notar uma melhora física e mental.”
No rastro dessa idéia, o zootecnista Alexandre Rossi começou há alguns meses a levar cachorros em asilos e nas casas de apoio do Hospital das Clínicas de São Paulo para brincar com crianças que sofrem de câncer. Essas instituições abrigam crianças doentes cuja família em geral não tem como mantê-las. “Quando o cachorro chega, é uma festa. As crianças e os velhinhos ficam visivelmente mais felizes”, afirma Rossi, que também é especialista em comportamento animal. Alegria, como se sabe, aumenta os níveis de endorfina no organismo. Essa substância, que é nosso calmante natural, influi no sistema de defesa do corpo, deixando o pa-ciente mais fortalecido. Dessa maneira, reage-se melhor às doenças. “O cachorro também ajuda de uma maneira indireta. Muitos velhinhos não recebem visitas de parentes e o animal é um elo com o mundo Exterior. Muitos chegam a escrever cartas para o cachorro”, afirma o zootecnista.
Convívio - A prova de que os animais são benéficos à saúde está numa pesquisa encomendada por uma companhia de seguro australiana. Os empresários queriam saber se, de fato, os donos de cachorros tinham uma saúde melhor. Constatou-se que os pacientes que cuidavam de um cão gastavam 16% a menos de medicamentos e saíam dois dias antes dos hospitais do que doentes que não mantinham contato com bichos. Outro estudo, publicado no American Journal of Cardiology mostrou que o convívio com animais ajuda a controlar o stress, diminui a pressão arterial e reduz o risco de problemas cardiovasculares.
Para as crianças, brincar com bichos também é positivo até mesmo quando são animais de fazenda. Uma pesquisa realizada no final de 1999 na Áustria mostrou que os pequenos que brincam com vacas, galinhas, porcos e ovelhas têm menos chance de desenvolver alergias e problemas respiratórios, como a asma. A explicação? O contato aumenta as células de defesa e deixa o corpo mais tolerante a bactérias e ácaros. Provavelmente foi o que aconteceu com a menina Camila Benedetti, dez anos. Ela tinha crises alérgicas constantes e a mãe, Vivian, tentava controlar com medicamentos. Camila insistia que queria um cachorro. “Eu relutava”, conta Vivian. “Tinha medo que o pêlo desse mais alergia ainda. Mas em uma das suas crises fortes, eu e meu marido resolvemos dar um cachorro a ela”, completa. Em pouco tempo, as crises diminuíram e hoje ela só tem rinite quando o tempo muda. “A Camila disse que depois do Chobi nossa casa está mais cheia de amor”, diz Vivian.
Mas não dá para comprar qualquer bicho, achando que ele vai se adaptar ao estilo de vida dos donos. Os cachorros, principalmente, têm características específicas e são muito sensíveis à dinâmica da família. É essencial conhecer as características do animal, senão o tiro pode sair pela culatra. “É importante escolher um bicho adequado ao estilo de vida de cada um. Por isso, se possível, é bom consultar alguém que entenda do assunto antes de adquirir o cão”, diz o veterinário Mauro Lantzman, especialista em comportamento animal. Um conselho precioso para quem está pensando em ter uma companhia deliciosa como essa. Mesmo que não seja para viver isolado numa ilha deserta.
Publicado na Revista Isto É, 25/01/2000