A indústria de filhotes e seu impacto... no abandono e no sofrimento dos animais.
Telefone, Internet ou porta-malas de um carro. Seja qual for o meio, é certo que
todos os dias centenas de vidas serão vendidas em uma cidade como São Paulo, num
exemplo do que acontece com o resto do país. Com cinqüenta reais é possível
comprar um cão ou gato em pet shops ou feirinha de rua. É uma verdadeira
indústria que despeja filhotes no mercado, sem garantia de saúde, na maioria das
vezes portando alguma doença infecto-contagiosa. O destino desses animais?
Incerto, mas pode-se dizer que são sérios candidatos a uma vida de privações ou
ao abandono.
Enquanto algumas pessoas usufruem do lucro fácil e sem
escrúpulos, cresce nas cidades o número de animais em situação de abandono, com
ou sem raça definida. Por impulso ou falta de informação, muita gente compra um
filhote, apenas porque viu uma carinha fofa na vitrine. Alguns sequer têm tempo
para dedicar ao animal, outros simplesmente não estão preparados para os gastos
ao cuidar dele. Mas aí a coisa já está feita, e a solução é “dar para alguém”,
ou pior, o abandono. Em São Paulo são cerca de 20 mil cães e gatos recolhidos
anualmente pelo Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), dos quais pouco mais de
1.000 conseguem um novo lar.
Em épocas como a do Natal, muita gente pensa em presentear
com um bichinho de estimação. Foi o caso de André Della Serra, que decidiu dar
um poodle-toy para sua mãe este ano, depois de tanto sofrimento com a morte de
Snow, com quem a família conviveu por 17 anos. “Minha mãe ficou muito triste com
a falta dele, resolvi presenteá-la com essa cadelinha e aí... começou meu
pesadelo”.
Dos mambembes aos grandes pet shops, há perigo em todo lugar:
André
foi mais uma vítima de comerciantes que vendem animais apenas visando o lucro.
Ele descobriu o canil por meio de um anúncio na Internet, ligou e conversou com
o dono, que passou a ficha do filhote por e-mail: teria 55 dias de vida, já se
alimentava de ração seca, estaria vacinado e vermifugado. Segundo o comerciante,
visitas semanais de um médico veterinário responsável era mais uma garantia de
saúde dos animais. Não foi o que os laudos médicos constataram.
Depois de pagar os 400 reais em dois cheques, André foi
buscar Julie, que veio acompanhada de uma carteira de vacinação (sem a
assinatura de um veterinário responsável), com recomendações sobre alimentação e
cuidados básicos “escritas em uma folha de caderno”. Depois de quatro dias,
Julie apresentou vômitos e diarréia e foi levada a uma veterinária, que
constatou que o animal tinha pouco mais de 1 mês, necrose no rabo (uma das
vértebras se soltou na mão da profissional) e poderia nem ter sido vacinada. A
suspeita era de virose, mas a cachorrinha foi levada para outra veterinária que
sugeriu a internação em UTI, onde realizou vários exames. Julie morreu em 17 de
dezembro, 9 dias depois da compra, devido a parvovirose e cinomose. O laudo
final da necropsia apontou que a cadelinha morreu por maus tratos e negligência
do canil, por ter sido desmamada antes do tempo prescrito. Além disso, não tinha
a idade alegada pelo comerciante, não foi vacinada e teve seu rabo cortado de
maneira absolutamente errada.
André, que gastou 1500 reais para tentar salvar Julie, nomeou advogado para cuidar do caso e pretende processar o dono do canil onde comprou a cachorra. “Sem nenhuma responsabilidade, as empresas que se intitulam ‘canis’ fazem barbaridades com os animais só pelo dinheiro”, afirma. “Espero que esse processo sirva de alerta para que as pessoas sejam mais criteriosas na escolha de seus animais de estimação”.
No
caso de grandes lojas, que vendem animais com a documentação em ordem, carteira
de saúde assinada por médico veterinário e garantias que os filhotes estão em
perfeitas condições, a decepção é ainda maior, já que tudo parece funcionar bem.
Alessandra Schmitt, gerente de marketing, comprou seu filhote da raça maltês em
novembro deste ano num pet shop localizado dentro de um shopping center. “Os
donos me pareceram idôneos, não imaginei que pudessem ser meros vendedores
preocupados unicamente com o dinheiro”, afirma. Luke morreu em pouco mais de uma
semana, devido a “tosse dos canis”, doença que ataca o aparelho respiratório.
“Pelo estágio em que estava, o veterinário que cuidou do Luke garantiu que ele
já veio do canil com a doença”, observa Alessandra.
Alessandra, que no ato da compra não se preocupou em conhecer
os pais da ninhada e fez apenas uma tentativa para saber a procedência dos
animais, insistiu em comprar o filhote assim mesmo. Os proprietários não a
deixaram visitar as instalações do canil. “Eles diziam que os sapatos e a roupa
do corpo dos visitantes poderiam levar doenças para os filhotes das mais
diversas raças”, afirma. “Na hora isso não fez diferença, não sabia dos riscos,
mas hoje me arrependo”. Quando ouvir uma resposta desse tipo, a primeira coisa
que o futuro comprador deve fazer é desconfiar.