Voltando ao assunto da consangüinidade, que começamos a abordar na edição anterior, veremos hoje um modo simplificado - mas válido como referência para a tomada de decisões em criação – de como calcular a consangüinidade de um exemplar a partir de seu pedigree.

Como sabemos, o genótipo de um exemplar é 50% do genótipo de seu pai mais 50% do genótipo de sua mãe; e como sabemos da estatística, a probabilidade de ocorrência de um 3º fenômeno dependente de dois anteriores é a probabilidade de ocorrência do 1º versus a probabilidade de ocorrência do 2º. Com essas duas regras simples temos todo o instrumental necessário para calcular a consangüinidade existente em um pedigree.

Por exemplo, o acasalamento mais fechado possível é o entre irmãos inteiros (que inclusive é proibido, por favor não esqueçam!). Neste caso, cada irmão tem 50% de genótipo em comum, pois o pai e a mãe de ambos são os mesmos, de modo que a consangüinidade de um filhote resultante desse tipo de cruzamento será 0,5 X 0,5 = 0,25, ou seja, 25%, a máxima consangüinidade possível em criação, significando que ¼ de sua carga genética é pura repetição de cargas genéticas anteriores. Inversamente, se em um pedigree não houver nenhuma repetição de ascendentes, a consangüinidade do exemplar será 0%. Consequentemente, na prática da criação a consangüinidade de qualquer exemplar variará entre 0 e 25%, devendo nesse intervalo se situar nossas decisões de cruzamentos.

Vamos verificar um caso real de dois exemplares da raça beagle. Na fig. 1 temos o pedigree de Guarani e na fig. 2 o pedigree de Dolly.

 

Pais

Avós

Bisavós

 

 

Windsor

 

Pegasus

 

 

 

Coralina

Campeão

 

 

 

 

Nilo

 

Bibiana

 

 

 

Ana Terra

 

 

 

 

 

Kalaglow

 

Lex

 

 

 

Stella

Rubra Rosa

 

 

 

 

King

 

Jeniffer

 

 

 

Dona

Fig. 1 – Pedigree de Guarani

 

Pais

Avós

Bisavós

 

 

Macho Grande

 

Windsor

 

 

 

Gold Line

Pegasus

 

 

 

 

Tails

 

Coralina

 

 

 

Saga

 

 

 

 

 

Kalaglow

 

Lex

 

 

 

Stella

Rubra Rosa

 

 

 

 

King

 

Jeniffer

 

 

 

Dona

Fig. 2 – Pedigree de Dolly

Como podemos verificar, cada pedigree individualmente não possui nenhuma repetição de ascendentes, de modo que a consangüinidade de Guarani e igualmente de Dolly é 0%, ambos representando o produto de dois acasalamentos totalmente abertos.

Suponhamos agora que queiramos cruzar Guarani X Dolly. O pedigree resultante do filhote que chamaremos Jandaia será o mostrado na fig. 3.

 

Pais

Avós

Bisavós

 

 

Pegasus

 

Campeão

 

 

 

Bibiana

Guarani

 

 

 

 

Lex

 

Rubra Rosa

 

 

 

Jennifer

 

 

 

 

 

Windsor

 

Pegasus

 

 

 

Coralina

Dolly

 

 

 

 

Lex

 

Rubra Rosa

 

 

 

Jennifer

Fig. 3 – Pedigree de Jandaia

Vejam como a combinação dos pedigrees dos pais resultou em um pedigree com uma série de repetições de ascendentes, conforme assinalado em negrito mais sublinhado. Neste caso, há uma consangüinidade que queremos calcular. Para tanto, pegamos os dois ascendentes mais imediatos que se repetem, que são Pegasus e Rubra Rosa, e verificamos quantos passos ocorrem para partindo de cada um chegarmos a Jandaia.

Vemos que no caso de Pegasus para chegar a Jandaia pelo lado paterno  passamos por Guarani e Campeão e pelo materno apenas por Dolly. Portanto temos quatro passos: Pegasus + Guarani + Campeão + Dolly.

No caso de Rubra Rosa para chegar a Jandaia passamos por Guarani pelo lado paterno e por Dolly pelo materno, portanto três passos: Rubra Rosa + Guarani + Dolly.

Portanto, a consangüinidade do acasalamento Guarani X Dolly será (0,5)4 + (0,5)3 = 0,0625 + 0,125 = 0,1875, i. é, 18,75%, uma consangüinidade alta, lembrando que os extremos são 0 e 25%. Guarani X Dolly, consequentemente, é um cruzamento fechado, mas que pode ser feito, visto que cada um dos dois, individualmente, tem sangue totalmente aberto.

O criador, para se orientar, deve calcular a consangüinidade do pedigree de todos exemplares de seu plantel e a seguir calcular a consangüinidade de todos os acasalamentos possíveis dentro de seu plantel. Com isso ele terá um importante apoio ao processo decisório de criação, conforme a tabela 1, abaixo.

Tab. 1 – Consangüinidade

Consangüinidade

Nível de consangüinidade

Implicações

20 – 25%

Muito alto Acasalamentos indesejáveis.

15 – 20%

Alto Acasalamentos possíveis, desde que os pais individualmente provenham de cruzamentos abertos
10 – 15%

Médio

Situação equilibrada. Sem restrições de acasalamentos, mas o criador deve ficar atento, pois o nível de consangüinidade logo subirá.

5 – 10%

Baixo

Situação ideal. O criador tem bastante campo para experiências antes que o nível de consangüinidade cresça.
0 – 5% Muito baixo Aqui o problema é inverso. A criação está tão aberta que há o perigo de as referências de fenótipo serem perdidas. O criador deve selecionar cruzamentos para aumentar um pouco a consangüinidade e assim fixar tipo e qualidades.

Lembramos que, como escrito no início, trata-se de um esquema simplificado. Para tornar o cálculo mais exato, deveríamos acrescentar o índice global de consangüinidade, que é a média da consangüinidade calculada em todos os pedigrees do plantel de uma região. Dessa forma, teríamos por exemplo o índice de consangüinidade do plantel beagle do município de Porto Alegre, da região metropolitana de Porto Alegre, do estado do Rio Grande do Sul, etc. Todavia, é evidente que para isso precisaríamos de clubes especializados altamente estruturados, com studbooks completos, o que não temos, de modo que somos obrigados a nos contentar com a simplificação.